O Sorriso da Tarde
“Já sorriu
hoje?” – a pergunta entrou assim, desafiante, carruagem do metro adentro, à
boleia de uma t-shirt branca. As costas, paradoxais, ficaram de frente para mim
e aconselhavam “Páre para pensar”.
Preferi parar
para sorrir. Achei que talvez já tivesse pensado q.b. (presunçosa!) durante o
dia e pareceu-me deliciosamente simpático que alguém, de entre todas as peças
de roupa que poderia ter adquirido tivesse decidido por aquela e que de entre
todas as t-shirts do seu armário tivesse hoje, logo hoje, optado por aquela. Que
tivesse, pelo menos aparentemente, programado pelo menos parte do seu dia em
torno do sorriso dos outros. E, sim, já tinha sorrido “hoje” mas não com tanta
vontade, nem por um motivo tão forte: o sorriso pelo sorriso, assim, tal qual.
Quando, ainda sorridente,
voltava ao meu livro, o olhar fugiu-me para a mãe e filho que viajavam sentados
em frente. Tinha reparado na forma como trocavam sorrisos, olhares ternos e
alguns gestos. O pequeno era surdo mas a comunicação era perfeita. Nos segundos
seguintes viu que olhava na direcção da t-shirt que agora tinha já rosto,
pernas, braços mãos… um par de mãos, como convém, que brincavam com uma bola de
malabares. Na breve troca de olhares Rapaz-T-Shirt, Mãe e Criança acordaram que
a última queria ver a bola e lá se levantou, aproximou-se do
Rapaz-T-Shirt-e-Bola e o que se seguiu foram seis estações de brincadeira,
sorrisos e risos, que eu bem os ouvi, a que se juntou o
Jovem-Roupa-de-Trabalho, que apesar de preferir jogar com os pés também ensaiou
uns requebros com a bola nas mãos.
Gosto de
conduzir, sinto alguma liberdade e é das raras situações em que estou
completamente disponível para ouvir rádio, mas confesso a minha grande “crush”
por transportes públicos. Cheiram, soam e às até sabem mal, mas estão
carregadinhos de vida e de vez em quando, de quando em vez, somos brindados com
a tarde a sorrir-nos!
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