quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ajuda o João (...) a vida nos intervalos #169


Hoje tive um furo.

Passava da meia-noite e eu vinha de um lugar mágico, do meio de livros, escritores e um ator por outro quando dei cabo de um pneu num buracão na Infante D. Henrique.

Quem conhece minimamente o meu mau feitio e a corrida de obstáculos que é a minha vida, sabe o quanto isso me poderia deixar lixada… com F, pois claro!

Mas hoje não. Hoje conheci o João.

“Se a senhora quiser eu mudo-lhe o pneu”

“Já trabalhei numa coisa de pneus, gosto de fazer isto”

O João teve medo que eu tivesse medo dele!  Por isso, enquanto me ajudava ia falando e até me disse que não ficasse nervosa.

“Eu sou o João, nasci em 1964 e não faço mal a ninguém. Nasci no tempo do Salazar, mas deram-me educação. O meu pai só me deu muita porrada, mas a minha tia deu-me educação.”

Há dias o João viu um fulano a tentar assaltar um fiat punto, e chamou a polícia com o telemóvel. “Ele percebeu e deu-me duas cinturadas, mas eu consegui desenrascar-me dele.”

… “Nasci em 1964 na Lourinhã, lá não havia nada, por isso vivo aqui em Lisboa. Tenho uma pensão por causa deste braço, que ficou assim na tropa e arrumo uns carritos”

O João ia para o armazém onde vive “ali um bocadinho à frente” na sua bicicleta quando viu esta pobre representante da esquerda-lata- de- atum ter um furo e seguiu-a para oferecer ajuda.
 
O João explicou-me que algumas mulheres sabem como se muda um pneu porque algum homem lhes deve ter ensinado.

O João tem apenas mais cinco anos que eu, mas parecia ter idade para ser meu pai.

O João fez-me imediatamente recordar a bela história que o Afonso Cruz gosta de contar, de como Gandhi aconselhou um hindu a quem um muçulmano matara um filho a adoptar uma criança árabe para ultrapassar a sua dor.

O João voltou a montar a sua bicicleta, aparentemente satisfeito porque fez o que a educação lhe mandara.

Eu dei-lhe o dinheiro que tinha comigo “mas não era preciso… bastava dar-me um euro para uma cerveja.”

Lisboa, 31 de outubro de 2013

Carla Flores

P.S. Obrigada pelas lições, Vida.

  Já agora... se puder ser, ajuda o João.

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